Um mundo sem amor
Ela cortava livros. Quer dizer: usava uma faca romba e fazia dois livros de um só, volumes reduzidos a tamanhos insuspeitos, com histórias estranhas, reinventadas. No terceiro ou quarto dia em Paris ela deu-me um livro pequeno (o resto de um bloco de apontamentos que ela achara demasiado grande) e instruiu-me para o preencher sem olhar a ordem de páginas: ora utilizando a primeira, ora utilizando a última, alternadamente. Em cada uma das capas colou uma fita de céu, e por isso não havia parte de cima nem parte de baixo. O objectivo era, segundo as suas palavras, subverter essa coisa dos princípios e dos fins.
Junto da lombada colara também tiras de peluche vermelho, restos de um fato que andava a fazer na altura.
De resto, em Paris fui, mais do que tudo, Woody Allen. Nos bancos dos parques havia sempre um homem sozinho, de cabeça descaída e olhos fechados, encarando o sol numa pacífica felicidade. Nesses dias, eu comia pão convulsivamente (passar por uma padaria despertava-me desejos quase eróticos) e não dava nada aos pombos, ratos com asas que cagavam os bancos de jardim onde, ao contrário daqueles homens tão sozinhos e felizes, eu não me podia sentar.
E foi assim que caminhámos até Ménilmontant em busca de uma igreja onde foram rodadas cenas do filme 'Femme Fatale', de Brian de Palma. Fomos encontrá-la numa praceta demasiado normal, diferente do que o filme deixava transparecer. Discutimos longamente sobre qual seria a varanda a partir da qual o Antonio Banderas tirava as fotografias. Havia jovens adormecidos nos degraus da Igreja. Na nossa cabeça soava o famoso Bolero das cenas mais elaboradas do filme. Tínhamos cerca de meia hora para chegar à Torre Eiffel onde nos esperavam as espanholas. Nesse dia eu não almocei. Ficou enevoado mais tarde, e eu tinha cerca de um mês (prazo imposto por ela na noite anterior) para dar uma volta à minha vida e convidar alguém para sair.
Passou por nós uma carrinha branca completamente coberta de graffittis. A nossa primeira reacção foi rir, mas logo nos apercebemos da força mental (ou da enorme capitulação), do dono daquela carrinha, que simplesmente aceitou os graffittis e deixou de fazer crer que tudo pode ser limpo e apagado.
Junto da lombada colara também tiras de peluche vermelho, restos de um fato que andava a fazer na altura.
De resto, em Paris fui, mais do que tudo, Woody Allen. Nos bancos dos parques havia sempre um homem sozinho, de cabeça descaída e olhos fechados, encarando o sol numa pacífica felicidade. Nesses dias, eu comia pão convulsivamente (passar por uma padaria despertava-me desejos quase eróticos) e não dava nada aos pombos, ratos com asas que cagavam os bancos de jardim onde, ao contrário daqueles homens tão sozinhos e felizes, eu não me podia sentar.
E foi assim que caminhámos até Ménilmontant em busca de uma igreja onde foram rodadas cenas do filme 'Femme Fatale', de Brian de Palma. Fomos encontrá-la numa praceta demasiado normal, diferente do que o filme deixava transparecer. Discutimos longamente sobre qual seria a varanda a partir da qual o Antonio Banderas tirava as fotografias. Havia jovens adormecidos nos degraus da Igreja. Na nossa cabeça soava o famoso Bolero das cenas mais elaboradas do filme. Tínhamos cerca de meia hora para chegar à Torre Eiffel onde nos esperavam as espanholas. Nesse dia eu não almocei. Ficou enevoado mais tarde, e eu tinha cerca de um mês (prazo imposto por ela na noite anterior) para dar uma volta à minha vida e convidar alguém para sair.
Passou por nós uma carrinha branca completamente coberta de graffittis. A nossa primeira reacção foi rir, mas logo nos apercebemos da força mental (ou da enorme capitulação), do dono daquela carrinha, que simplesmente aceitou os graffittis e deixou de fazer crer que tudo pode ser limpo e apagado.
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