Um mundo sem amor (II)
Não era bem uma cama aquilo que partilhávamos, mas antes um sofá aberto e na primeira noite – antes mesmo de a velha doença voltar – ela tinha-me dito para escolher um lado da cama e eu escolhi aquele em que se caía se nao houvesse um peso a balancear do outro lado. Por isso na primeira manhã quando me levantei sozinho quase virei o sofá, e os barulhos da rua eram tão claros e agudos e eu tinha duas músicas na cabeca por isso sentei-me numa velha poltrona cheia de roupas, no meio da obscuridade, e escutei ‘Clementine’ de Elliott Smith e ‘Shadowlands’ de Ryan Adams. Tinha a cidade toda à minha espera, e aquilo que entrevia pela janela nem sequer era Paris, e eu estava a pensar que provavelmente tinha sido um erro querer, uma vez mais, tocar este velho disco, e ela tinha-me deixado uma nota a combinar um almoço pelas duas da tarde, junto com um mapa do metro e as chaves, por isso eu resolvi sair de casa o mais depressa possivel – e a casa nao era minha, eu era apenas um visitante, era apenas temporário.
Lembrei-me que, na noite anterior, antes de me perder nas ruas de Clichy, tinha passado de metro pela paragem Anvers, de onde, pelo que me parecia, poderia chegar a Sacre Coeur. Pareceu-me um sítio tao bom como qualquer outro para comecar, e quando saí do metro em Anvers comprei um jornal inglês e um pacote de leite e subi Montmartre até uma praça cheia de turistas onde se via a catedral e de repente fazia um sol bonito e forte que não me deixava ver Paris – e por isso virei as costas ao sol e olhei para os turistas e para a catedral e estava subitamente feliz e bebi o meu pacote de leite. Houve até um casal que me pediu para lhes tirar uma fotografia.
Foi entao que entendi que era assim que ia ver Paris e todas as cidades do mundo: sozinho, com um pacote de leite na mão, com a música do Padrinho (da familia e da morte) na cabeça, com a sensação de que chegaria sempre um pouco depois da hora, mas quase nunca demasiado tarde.
Depois houve St.Denis, e um almoço, e depois houve Chatelet e a chuva e um gigantesco pote dourado à frente do centro Georges Pompidou, e a chuva e uma montra cheia de ratos e galerias vazias com fotografia surrealista e um rapaz chamado billy ao telefone e eu a querer apenas ir para casa – e depois casa e ela a dormir e eu no quarto obscuro sentado na velha poltrona a olhar para nada, depois a escrever um poema chamado ‘quarto em paris’ num quarto que nem sequer era em paris. E depois veio o jantar e cervejas e nessa noite ficámos a conversar até tarde e rimo-nos histericamente e no meio daquelas risadas eu pensava que estava a sofrer, e depois eu perguntei-lhe se ia dormir e ela respondeu é suposto que sim.
De volta à minha pequena aldeia, estive a pensar noutro dia que não como ovos há muito tempo simplesmente porque não os consigo encontrar no supermercado. O que é ridículo, porque sei que eles estão lá e sei que toda a gente come ovos – no entanto, acabo cada sessão de compras sem aqueles preciosos e frágeis testículos. Até as cobras, e os lagartos, se os há neste país, até as cobras devem ocasionalmente espetar os dentes num ovo e chupar o conteúdo – mas, apesar de ter domesticado muito e compreendido outro tanto, parece-me que ainda não aprendi ‘the way of the egg’.
Lembrei-me que, na noite anterior, antes de me perder nas ruas de Clichy, tinha passado de metro pela paragem Anvers, de onde, pelo que me parecia, poderia chegar a Sacre Coeur. Pareceu-me um sítio tao bom como qualquer outro para comecar, e quando saí do metro em Anvers comprei um jornal inglês e um pacote de leite e subi Montmartre até uma praça cheia de turistas onde se via a catedral e de repente fazia um sol bonito e forte que não me deixava ver Paris – e por isso virei as costas ao sol e olhei para os turistas e para a catedral e estava subitamente feliz e bebi o meu pacote de leite. Houve até um casal que me pediu para lhes tirar uma fotografia.
Foi entao que entendi que era assim que ia ver Paris e todas as cidades do mundo: sozinho, com um pacote de leite na mão, com a música do Padrinho (da familia e da morte) na cabeça, com a sensação de que chegaria sempre um pouco depois da hora, mas quase nunca demasiado tarde.
Depois houve St.Denis, e um almoço, e depois houve Chatelet e a chuva e um gigantesco pote dourado à frente do centro Georges Pompidou, e a chuva e uma montra cheia de ratos e galerias vazias com fotografia surrealista e um rapaz chamado billy ao telefone e eu a querer apenas ir para casa – e depois casa e ela a dormir e eu no quarto obscuro sentado na velha poltrona a olhar para nada, depois a escrever um poema chamado ‘quarto em paris’ num quarto que nem sequer era em paris. E depois veio o jantar e cervejas e nessa noite ficámos a conversar até tarde e rimo-nos histericamente e no meio daquelas risadas eu pensava que estava a sofrer, e depois eu perguntei-lhe se ia dormir e ela respondeu é suposto que sim.
De volta à minha pequena aldeia, estive a pensar noutro dia que não como ovos há muito tempo simplesmente porque não os consigo encontrar no supermercado. O que é ridículo, porque sei que eles estão lá e sei que toda a gente come ovos – no entanto, acabo cada sessão de compras sem aqueles preciosos e frágeis testículos. Até as cobras, e os lagartos, se os há neste país, até as cobras devem ocasionalmente espetar os dentes num ovo e chupar o conteúdo – mas, apesar de ter domesticado muito e compreendido outro tanto, parece-me que ainda não aprendi ‘the way of the egg’.
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