sexta-feira, agosto 05, 2005

vento agosto, rio baixo (13/33)

Numa divisão vazia da minha casa, separada por paredes onde de manhã na cama eu tremo, está deitada esta... coisa. Numa divisão vazia pela manhã, respirando... esta coisa.

Durmo de manhã, quando as pessoas acabaram de começar, e enquanto durmo há uma projecção do meu corpo que vai até essa divisão vazia - escura, abafada, borbulhante - e lá está essa espécie de monstro deitado - os olhos espalhados pelo corpo líquido, verde, a ausência de ossos e as membranas que se levantam e espasmam. Eu fico à porta.

É um monstro diferente. Eu costumava acordar para as moscas, para as línguas frias dos lagartos na minha face. Eles costumavam acordar-me e falar com vozes graves, quase inaudíveis, ao ouvido - diziam-me coisas sem nexo, do tipo "ela ama-te", "ainda não viste nada", "a forma como seguras essa rosa entre os dentes".

Agora é diferente. Este é um monstro especialmente estranho. Aparece, de vez em quando, deitado numa das camas da minha casa, e não parece ter um propósito especial, sequer uma mensagem para transmitir. Fica a olhar para mim por entre os silvos da sua respiração - os olhos na pélvis, os olhos nos pés - e apenas o seu corpo parece reconhecer a minha presença, já que se agita com mais insistência. Como se estivesse a pedir a minha ajuda, essa coisa esse... corpo estrangeiro. A escorrer pelo chão, a sua pele uma crosta a rebentar lava.

Depois, com um sacão eu regresso à cama: há fumo na minha garganta, um cheiro que não é meu nos lençóis. E quase que consigo cheirar os lençóis.

Uma vez ou outra, um dia a mais ou a menos - eu vou ter de sair, isto vai arder, o ar vai tornar-se venenoso. Uma vez ou outra, e essa coisa vai subir para cima de mim, vai finalmente regressar ao que é seu, ao que ele é.


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