segunda-feira, junho 28, 2004

Los Lunes al Sol

Los Lunes al Sol: o filme que nunca cheguei a ver. No poster, o Javier Bardem está sentado no topo daquilo que em Lisboa seria um cacilheiro, e tem os olhos fechados e a cabeça ligeiramente inclinada (como os homens nos jardins de Paris!) e por todo o lado no poster é segunda-feira de manhã e ao longe está uma cidade e o Javier Bardem está desempregado. E só por este poster eu tenho sonhado dias e dias em como seria o filme.
Estive duas ou três vezes para ir ver Los Lunes al Sol, e porque como é óbvio queria ir ver à segunda-feira durante a tarde para poder ainda apanhar sol quando saísse, e como estava à espera de um telefonema que nunca mais chegou, o tempo acabou por passar e.

Imagens dessa Primavera: fechado em casa a ler Platão, a ler Aristóteles, em busca da citação perfeita. Fechado em casa a ler Foucault, a ler Oakeshott, a ler Waltz, a desistir de ler Waltz, a esquecer-me por completo do que tratava o livro do Oakeshott, a não chegar a acabar o terceiro volume do Foucault. Preparava-se o Verão mais quente de que havia memória, e ironicamente eu tinha decidido nessa Primavera aceitar o sol, receber o sol na cara e sentir a sua doçura, como aposto que o Javier Bardem sentia. Tinha também decidido aproveitar aqueles dias com o sentido de fatalidade com que (imaginava estupidamente) um desempregado como o Javier Bardem acordaria.
Dessa Primavera: um sentimento de despedida em tudo, o João e a Raquel a aparecerem em minha casa com ondas de frescura e alívio, a trazerem bolos, a convidarem-me para gelados, para cervejas nas cafetarias de Benfica. O meu curso a terminar, outros compromissos na faculdade de que me queria desesperadamente soltar e dos quais não falarei, a sensação de que talvez pudesse ter feito outras coisas, a sensação de que agora tudo estava a morrer.
Primavera: a minha mãe doente numa cama de hospital, uma bolsa para a qual pingava o alcatrão que lhe escorria dos pulmões, a minha mãe demasiados dias naquele hospital e no geral demasiadas caras naquela enfermaria, um sentimento de alegria artificial em tudo porque o sol estava sempre a pôr-se naquele sítio e a minha mãe passava lá as noites sozinha, com dores, e eu ficava sentado aos pés da cama sem saber o que dizer, por isso olhava para o televisor e segurava as pontas dos dedos da minha mãe e não dizia nada, e depois o tempo passava naquele silêncio esterilizado e eu tinha de sair - e depois eu voltava a Lisboa num comboio que demorava muito tempo, e onde escrevia poemas sobre raparigas do campo.

Eu tinha perdido a minha última hipótese com o amor à medida que o tal telefonema nunca mais chegava, e tinha sido até bom acho, numa única tarde em que acabámos com os lábios secos por causa do chá, apenas por causa do chá, e nessa tarde ela levou-me a um sítio onde se diz que o Camões foi preso, e juro que durante um fim de semana eu pensei que a minha vida poderia começar de novo - eu juro que tentei, juro que abri os braços.
Mas o meu tempo em Lisboa já estava a acabar de qualquer maneira e julgo que mais do que ninguém ela percebeu isso, e a minha vida é uma sucessão de pessoas a saberem melhor do que eu o que é melhor para mim, mas de qualquer maneira eu penso nela às vezes e a vida é mesmo assim.


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