My Love Life (1/2) (revisto)
Imaginem uma cena no fundo do mar: imaginem que estão parados no fundo do mar e que presenciam esta cena: imaginem um homem de cabelos compridos no fundo do mar, debatendo-se, olhos abertos de terror, um pedaço de tecido atado à cintura, e este homem está agarrado a uma corda que tem ao pescoço, e na outra ponta da corda está uma pesadíssima mó de pedra que irá sepultar este homem numa morte horrenda. Agora, se puderem, imaginem uma vez mais o pavor deste homem, a sua lenta asfixia, a forma como os seus pulmões vão encolhendo até ficarem do tamanho de laranjas (devido à pressão no fundo do mar), a forma como uma espuma branca começa a sair da sua boca (sinal de que os pulmões estão a receber água e a entrar em colapso), e depois o sangue, e os seus pulmões explodem, e ele ainda se debate durante longos segundos até a vida desistir dele.
Agora, no final, imaginem que toda esta cena foi ordenada por Jesus Cristo.
Multipliquem o que estão a sentir pelo infinito e ainda estão a anos-luz do que sente uma criança quando lê a Bíblia pela primeira vez, ou (como eu) quando vê uma daquelas edições ilustradas em que as gravuras são ainda mais explícitas do que esta pobre aproximação.
Mateus (18:1-6) conta-nos como os discípulos um dia perguntaram a Jesus qual era 'o maior no reino dos céus'. Jesus pôs diante deles uma criança e avisou: 'qualquer que escandalize um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fôra que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e se o fizesse afogar nas profundezas do mar'. Esta passagem é, segundo o meu conhecimento, a única em que Jesus advoga directamente a morte como punição para um determinado pecado (se tiverem conhecimento de outras, por favor digam).
A interpretação de uma passagem do famoso Sermão do Monte (Mateus 5:38-42) mostra-nos como, com a chegada de Jesus, a doutrina do 'olho por olho, dente por dente', bem presente no Velho Testamento (Êxodo 21:24, Levítico 24:20, Deuterónimo 19:21), é substituída pelo bem conhecido 'oferece a outra face'. No Velho Testamento, Deus era claramente uma entidade disciplinadora e vingadora que fulminava as pessoas por tudo e mais alguma coisa: veja-se o caso do pobre Onan (Genesis 38:8-10), de onde vem a palavra 'onanismo' (identificada, não com muita exactidão, com o acto de masturbação) - Onan terá sido um dos percursores da prática nefasta do coito interrompido. A chegada de Jesus e sua morte na cruz significam em termos teológicos a expiação dos pecados do Homem, e sua subsequente possibilidade de salvação.
A minha interpretação deste episódio é a seguinte. Jesus parece dar a entender que a vida humana perde o seu valor a partir do momento em que é quebrada uma espécie de regra de ouro: a de não escandalizar as crianças, ou seja, a de não as levar ao pecado (algumas traduções, brasileiras por sinal, falam em 'fazer tropeçar' as crianças, como se estas estivessem num caminho que não deve ser perturbado). O que significará isto? Para mim, parece-me clara esta conclusão: para Jesus, a vida humana apenas tem valor em si enquanto não se perturbar a natural evolução das crianças, contaminando-as com as nossas ideias feitas e com o nosso pecado; em suma, enquanto a vida for dedicada a ajudar as crianças a seguir o seu caminho.
Mais do que isso, Jesus diz que 'aquele que não receber o reino de Deus como uma pequena criança nunca nele entrará' (Marcos 10:15). Julgo que Ele quer dizer com isto que, nas condições em que nos encontramos neste momento, estamos perdidos. A nossa vida só tem sentido para ajudar aqueles que ainda não se corromperam, possibilitar a sua salvação. O Calvinismo vai recuperar esta ideia com a teoria da predestinação (acompanhada da assumpção, comum ao luteranismo, de que o ser humano é inerentemente mau): quando nasce, o ser humano já está destinado para a salvação ou danação. A vida deve ser vivida com uma ética virtuosa baseada na fé, e na vontade de fazer o melhor possível com o que nos foi dado. Max Weber vai ligar esta ideia de predestinação ao conformismo presente nas sociedades capitalistas, etc.
Para Whitney Houston (NB não estou a estabelecer comparação entre o pensamento de Whitney Houston e Jesus, apenas a seguir um raciocínio), para Whitney Houston, dizia, a ideia gasta de que o 'futuro é das crianças' é, de uma forma bastante interessante, ligada ao amor-próprio. Na música 'The Greatest Love of All' (do álbum ‘Whitney Houston’, Arista, 1985, escrita por Michael Masser e Linda Creed) os versos
'I believe the children are our are future / Teach them well and let them lead the way / Show them all the beauty they possess inside / Give them a sense of pride to make it easier'
...encontram a sua sequência no mítico refrão:
'The greatest love of all / Is easy to achieve / Learning to love yourself / It is the greatest love of all'
Para Whitney Houston, a vida virtuosa (isto é, com amor próprio) é a vida em que o ser se consciencializou de que a única coisa que vale a pena são as crianças. Mais: devemos ajudar as crianças a encontrarem o seu caminho e a orientarem-nos ('teach them well and let them lead the way') - porque nós, por nós próprios, estamos desamparados e perdidos. Amar o potencial inerente nas crianças é amar-se a si mesmo; é reconhecer, com humildade, que o sentido da nossa vida não somos nós, mas sim um esforço (que deve ser universal) para evitar que as crianças acabem da mesma maneira que nós.
(continua)
Agora, no final, imaginem que toda esta cena foi ordenada por Jesus Cristo.
Multipliquem o que estão a sentir pelo infinito e ainda estão a anos-luz do que sente uma criança quando lê a Bíblia pela primeira vez, ou (como eu) quando vê uma daquelas edições ilustradas em que as gravuras são ainda mais explícitas do que esta pobre aproximação.
Mateus (18:1-6) conta-nos como os discípulos um dia perguntaram a Jesus qual era 'o maior no reino dos céus'. Jesus pôs diante deles uma criança e avisou: 'qualquer que escandalize um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fôra que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e se o fizesse afogar nas profundezas do mar'. Esta passagem é, segundo o meu conhecimento, a única em que Jesus advoga directamente a morte como punição para um determinado pecado (se tiverem conhecimento de outras, por favor digam).
A interpretação de uma passagem do famoso Sermão do Monte (Mateus 5:38-42) mostra-nos como, com a chegada de Jesus, a doutrina do 'olho por olho, dente por dente', bem presente no Velho Testamento (Êxodo 21:24, Levítico 24:20, Deuterónimo 19:21), é substituída pelo bem conhecido 'oferece a outra face'. No Velho Testamento, Deus era claramente uma entidade disciplinadora e vingadora que fulminava as pessoas por tudo e mais alguma coisa: veja-se o caso do pobre Onan (Genesis 38:8-10), de onde vem a palavra 'onanismo' (identificada, não com muita exactidão, com o acto de masturbação) - Onan terá sido um dos percursores da prática nefasta do coito interrompido. A chegada de Jesus e sua morte na cruz significam em termos teológicos a expiação dos pecados do Homem, e sua subsequente possibilidade de salvação.
A minha interpretação deste episódio é a seguinte. Jesus parece dar a entender que a vida humana perde o seu valor a partir do momento em que é quebrada uma espécie de regra de ouro: a de não escandalizar as crianças, ou seja, a de não as levar ao pecado (algumas traduções, brasileiras por sinal, falam em 'fazer tropeçar' as crianças, como se estas estivessem num caminho que não deve ser perturbado). O que significará isto? Para mim, parece-me clara esta conclusão: para Jesus, a vida humana apenas tem valor em si enquanto não se perturbar a natural evolução das crianças, contaminando-as com as nossas ideias feitas e com o nosso pecado; em suma, enquanto a vida for dedicada a ajudar as crianças a seguir o seu caminho.
Mais do que isso, Jesus diz que 'aquele que não receber o reino de Deus como uma pequena criança nunca nele entrará' (Marcos 10:15). Julgo que Ele quer dizer com isto que, nas condições em que nos encontramos neste momento, estamos perdidos. A nossa vida só tem sentido para ajudar aqueles que ainda não se corromperam, possibilitar a sua salvação. O Calvinismo vai recuperar esta ideia com a teoria da predestinação (acompanhada da assumpção, comum ao luteranismo, de que o ser humano é inerentemente mau): quando nasce, o ser humano já está destinado para a salvação ou danação. A vida deve ser vivida com uma ética virtuosa baseada na fé, e na vontade de fazer o melhor possível com o que nos foi dado. Max Weber vai ligar esta ideia de predestinação ao conformismo presente nas sociedades capitalistas, etc.
Para Whitney Houston (NB não estou a estabelecer comparação entre o pensamento de Whitney Houston e Jesus, apenas a seguir um raciocínio), para Whitney Houston, dizia, a ideia gasta de que o 'futuro é das crianças' é, de uma forma bastante interessante, ligada ao amor-próprio. Na música 'The Greatest Love of All' (do álbum ‘Whitney Houston’, Arista, 1985, escrita por Michael Masser e Linda Creed) os versos
'I believe the children are our are future / Teach them well and let them lead the way / Show them all the beauty they possess inside / Give them a sense of pride to make it easier'
...encontram a sua sequência no mítico refrão:
'The greatest love of all / Is easy to achieve / Learning to love yourself / It is the greatest love of all'
Para Whitney Houston, a vida virtuosa (isto é, com amor próprio) é a vida em que o ser se consciencializou de que a única coisa que vale a pena são as crianças. Mais: devemos ajudar as crianças a encontrarem o seu caminho e a orientarem-nos ('teach them well and let them lead the way') - porque nós, por nós próprios, estamos desamparados e perdidos. Amar o potencial inerente nas crianças é amar-se a si mesmo; é reconhecer, com humildade, que o sentido da nossa vida não somos nós, mas sim um esforço (que deve ser universal) para evitar que as crianças acabem da mesma maneira que nós.
(continua)
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