Termidor
Chupo o dedo dela às cinco da manhã no comboio para Madrid. Chupo o dedo dela e não a conheço às cinco da manhã e os meus olhos são os olhos de um vampiro. Antes tínhamos estado a comparar notas em diários, fotos, a trocar guloseimas. Chupo o dedo dela e quando o marroquino no banco em frente olha para nós eu faço os meus olhos de vampiro brilhar, ameaço-o com os meus pensamentos, a ameaça resulta, ele volta a fechar os olhos. Chupo o dedo dela como se o dedo dela fosse um pénis e nalgumas fotos ela está num castelo iluminado à noite, vestida como uma fantasma. Cinco da manhã, o comboio causa vertigens, eu não a conheço, ela é maluca, ela não me aceita mas também não me recusa.
Nunca a beijo, apenas chupo e mordo o dedo dela e penso, uma vez mais, no que se vai passar nos próximos dias.
Próximos dias: perdido em Malasaña no meio dos punks, perdido na Plaza Tribunal a embebedar-me com licor de pêssego, na madrugada andar pela Gran Via e as prostitutas que vão para casa e eu a comer donuts na Gran Via. Em Sigüenza, dormir enregelado na casa de banho de um pavilhão desportivo, ver as pessoas todas a ficarem doentes à minha volta. De regresso a Madrid, comer sandes de calamares na Plaza del Sol, mendigar pastilhas, olhar para as raparigas, hiper-ventilar, etc.
Conta-se que, quando ainda vivia em Munique, Hitler costumava acordar todos os dias às cinco da manhã. Costumava atirar pequenos pedaços de pão e côdeas ressequidas aos ratos que habitavam o seu quarto, e era a ver os ratos a lutar até a morte pelos pequenos pedaços e pão e côdeas ressequidas que Hitler se divertia às cinco da manhã em Munique. Ele devia estar a pensar na luta de espécies, em Darwinismo social, nessas coisas todas.
Eu estou às cinco da manhã no quarto do jovem Hitler e vejo-o sentado na cama, olhos a brilhar, aqueles cabelos negros desalinhados, e eu estou em pé num canto do seu quarto, tripas de rato espalhadas pelo chão. Eu sou o visitante de Hitler. Eu estou a pensar em todas as coisas que vão acontecer, todas estas coisas que eu sei. Estou a pensar também em todas estas coisas que eu não suspeito, coisas que não precisam de mim para ocorrer. Eu estou a caminhar pelo quarto miserável de Hitler e ele não me vê porque continua a atirar pão aos ratos, dizendo das ist fantastich e rindo-se batendo palmas. Hitler em Munique coça os tomates frequentemente, não se lava muito. Chego à janela e afasto as cortinas e é isto que vejo.
Vejo uma praia na costa do Mar da Irlanda. Vejo uma praia negra banhada pelo Mar da Irlanda e no centro dessa praia está uma criança magra, pálida, a tiritar de frio. À sua volta voam gaivotas em fúria. Esta criança não sou eu.
Às cinco da manhã no comboio para Madrid todas as revoluções acabaram. A poeira assentou. Homens da luz, substituam as lâmpadas em todos os candeeiros! Para sempre ou até amanhã é exactamente a mesma coisa.
Nunca a beijo, apenas chupo e mordo o dedo dela e penso, uma vez mais, no que se vai passar nos próximos dias.
Próximos dias: perdido em Malasaña no meio dos punks, perdido na Plaza Tribunal a embebedar-me com licor de pêssego, na madrugada andar pela Gran Via e as prostitutas que vão para casa e eu a comer donuts na Gran Via. Em Sigüenza, dormir enregelado na casa de banho de um pavilhão desportivo, ver as pessoas todas a ficarem doentes à minha volta. De regresso a Madrid, comer sandes de calamares na Plaza del Sol, mendigar pastilhas, olhar para as raparigas, hiper-ventilar, etc.
Conta-se que, quando ainda vivia em Munique, Hitler costumava acordar todos os dias às cinco da manhã. Costumava atirar pequenos pedaços de pão e côdeas ressequidas aos ratos que habitavam o seu quarto, e era a ver os ratos a lutar até a morte pelos pequenos pedaços e pão e côdeas ressequidas que Hitler se divertia às cinco da manhã em Munique. Ele devia estar a pensar na luta de espécies, em Darwinismo social, nessas coisas todas.
Eu estou às cinco da manhã no quarto do jovem Hitler e vejo-o sentado na cama, olhos a brilhar, aqueles cabelos negros desalinhados, e eu estou em pé num canto do seu quarto, tripas de rato espalhadas pelo chão. Eu sou o visitante de Hitler. Eu estou a pensar em todas as coisas que vão acontecer, todas estas coisas que eu sei. Estou a pensar também em todas estas coisas que eu não suspeito, coisas que não precisam de mim para ocorrer. Eu estou a caminhar pelo quarto miserável de Hitler e ele não me vê porque continua a atirar pão aos ratos, dizendo das ist fantastich e rindo-se batendo palmas. Hitler em Munique coça os tomates frequentemente, não se lava muito. Chego à janela e afasto as cortinas e é isto que vejo.
Vejo uma praia na costa do Mar da Irlanda. Vejo uma praia negra banhada pelo Mar da Irlanda e no centro dessa praia está uma criança magra, pálida, a tiritar de frio. À sua volta voam gaivotas em fúria. Esta criança não sou eu.
Às cinco da manhã no comboio para Madrid todas as revoluções acabaram. A poeira assentou. Homens da luz, substituam as lâmpadas em todos os candeeiros! Para sempre ou até amanhã é exactamente a mesma coisa.
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