Quatro de trinta e três
“Ontem pareceu-me ver numa fotografia aquela que seria a tua cara se por ti tivessem passado cinco anos, como passaram – volta para casa.
Eu estava cheio de sacos e coisas por fazer e tinham passado cinco anos e um dia e eu tinha tido tantas, tantas saudades – volta para casa.
Os miúdos que tu não conheceste, os miúdos que entretanto cresceram, saltam dos seus cantos quando eu chego a casa e tudo está no seu lugar, menos tu. E os amigos telefonam-me com planos para sair e eu saio e beijo tanta gente. Cozinho para todos eles como quem navega com a costa à vista. A tua cara nas fotografias de há cinco anos. Volta para casa.
Ontem procurei empregos como se me quisesse despedir, como se quisesse começar uma vida nova. Ontem vi anúncios no jornal como se quisesse ganhar dinheiro, como se o meu dinheiro não fosse suficiente, como se as heranças das pessoas que morreram não bastassem para mim e para os miúdos.
Olho para as minhas mãos. Às vezes paro de escrever e olho para as minhas mãos, estas mãos que acariciaram e bateram. Tu nunca dizias nada das minhas mãos, mas eu tocava-te, dava-te prazer, e depois dava-te dor. E depois eu molhava as mãos, e elas ainda assim envelheciam.
Os miúdos pintam coisas com muitas cores, fazem desenhos do que serias se fosses grafite, cera, feltro, pastel. Os miúdos desenham as tuas saias, as saias que não levaste contigo, as saias que eles não esqueceram. E eu debruço-me e vejo nos desenhos dos miúdos as minhas mãos, com cinco dedos bem contados – as minhas mãos estendendo-se na direcção de uma casa que é mais pequena, uma casa com chaminé, entre os montes, debaixo de um sol com olhos. As minhas mãos nos desenhos dos miúdos como se por mim tivessem passado muitos anos – e tu estás vestida com saias, perto do sol.
Ontem pareceu-me ver numa fotografia a tua cara se por ti tivessem passado cinco anos, se não tivesses morrido. Volta para casa.”
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