quarta-feira, agosto 04, 2004

Sete maneiras de ir dormir (IV)

Quando vou dormir abro os olhos e tudo à minha volta é a grande noite da América. Eu devia ser James Taylor, ou John Denver, ou Jack Kerouac, ou Henry David Thoreau - em vez de ser isto. Estas estradas deviam, um dia, poder levar-me até uma casa na pradaria. Eu devia arder em febre debaixo desta cúpula de estrelas. Eu devia ter nascido em todos estes sítios, devia poder deitar-me e dormir em todos os metros quadrados desta terra.

Estacionámos a carrinha em pleno deserto e dormimos na caixa aberta, enrolados em mantas. Em redor da carrinha vamos ardendo arbustos para afugentar as cascavéis. Eu sei que Dean está nu por debaixo da sua manta.

A certa altura acendo a lanterna e começo mais uma vez a ler a carta: 'Na primeira vez que falámos surpreendeu-me a tua inacreditável fragilidade. Era como se estivesses prestes a desfazer-te, e os teus olhos eram os olhos das raposas assustadas à noite na estrada. Tinhas um quarto em Paris, estudavas pragmática, latim e outras coisas que eu não entendia. Em ti eu só via solidão, supermercados baratos, noites a chorar. Surpreendeu-me também que apesar de tudo continuasses a...'

Dean é um animal. Vamos all the way até ao México. Talvez fiquemos por lá por uns tempos, quem sabe. Eu gostava de ir viver no bayou durante umas semanas, oferecer o corpo aos mosquitos, molhar os pés nos grandes rios, ter medo dos crocodilos.

Ou comer serpentes ao luar. Ou cheirar as flores todas, ser cilindrado pelo sol. Deus, vou ter saudades disto. Mas preciso tanto de continuar o meu caminho.


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