terça-feira, agosto 03, 2004

Sete maneiras de ir dormir (III)

Quando me vou deitar ela sai de uma sombra, e depois sorri.
'Vieste'.
'Pois vim'.
'Não me lembro de te ter convidado', digo eu, sorrindo.
'Também não me disseste que não viesse', responde ela, e passa a mão nos meus cabelos curtos, escassos, e olha-me profundamente, e eu abandono-me.

Passamos a noite deitados, entre os lençóis, a conversar. As nossas pernas nuas tocam-se. Não fazemos amor porque o amor já está feito.

Há algo que nos une. Eu soube-o logo na primeira vez. Eu renegaria tudo o que disse, tudo o que escrevi. Eu queimaria tudo, deixaria tudo para trás. Por apenas ela aqui perto.

Este é diferente porque é nosso. Este é diferente porque é meu, porque sou eu, porque me calhou a mim. Porque afinal estou vivo. Quando ela caminha pelo quarto, por entre os poemas que eu deixei espalhados, eu vejo que ela desenha um padrão, eu vejo que ela sabe onde quer ir. E eu não tenho medo, eu não tenho palavras, eu só quero que isto resulte.

Boas ideias, grandes ideias, finais felizes. Adormeço e ela diz que me ama. Diz-me assim: 'Amo-te', e sorri, e dá-me um beijo pequeno. E quando acordo a nota na minha cama vazia diz 'Obrigado pela melhor noite da minha vida', e eu sei a minha sorte demasiado bem por isso adivinho o que vem a seguir.

Porém, ao contrário da flor da minha vida, não deixarei que este texto se corrompa.


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