'Build' (The Housemartins)
Meu Deus, criei um blog. É como estar nu, magro, a pele pálida ferida – encerrado entre quatro paredes, sem portas, sem janelas, sem tecto - encostado a um canto, olhando o céu, cheio de frio. Lentamente os visitantes vão chegando, planando sobre a minha jaula de tijolo castanho, indo às suas vidas, construindo ninhos em chaminés longe de mim. Como as gaivotas, um pouco por todo o lado. Bem-vindos, visitantes! Nenhum de vocês me conhece.
E eu não podia resistir, ou podia? Meter os dedos sorrateiros, manchados de chocolate, exactamente onde não sou chamado. Arriscando-me a ficar sem dedos nenhuns, tudo por causa de mais chocolate.
Estou para aqui à espera daquele meu amigo que vive numa aldeia às portas de Lisboa. Coitado, ele anda tão ocupado, e eu pergunto-me se alguma vez o voltarei a ver. Estou também à espera que o Miguel me venha salvar, ele que anda sempre perdido mas que sabe muito mais do que todos nós.
Uma noite destas vai ser talvez a noite em que tudo acontece. Ontem, por exemplo, estava na cozinha a comer bolachas de chocolate à uma e meia de manhã (acho que o Miguel aceitou a minha proposta!) e estava tanto frio que o ar saía em vapor da minha boca e camadas de gelo formavam-se no interior das janelas, e eu estava a ver uma rapariga em biquini a banhar-se e a dar berros no mar revoltoso gelado, diante de amigas que riam. Acho que fiquei demasiado tempo a olhar para ela, ia-me engasgando com todo aquele chocolate, e tinha andado a matar moscas outra vez no quarto - lá estavam mais algumas manchitas de sangue no tecto a testemunhar um certo instinto assassino que ainda persiste em mim (ainda que muito fraco). Noutro dia, enquanto perseguia uma mosca junto à janela, tentando enxotá-la para fora com umas cuecas usadas, vi-a a cagar-se de medo. Verídico. Aposto que nunca viram uma mosca a cagar-se! Ora, eu já, e o cócózito que deixou fez-me ter pena dela. Limpei-o com um lenço de papel.
E de resto nestas noites durmo bem mas devo estar à espera de alguma coisa - só pode. E habituei-me a comer sozinho, olhando o mar, tiritando de frio na cozinha cheia de confettis. Penso nas palavras dos meus amigos, penso noutras coisas, sorrio, encolho os ombros, afasto os confettis do prato, alguns misturam-se mesmo com a comida – enfim demoro muito a comer, aquilo fica tudo frio e o sabor nunca é nada de especial e eu lembro-me de quando era o “pastelão” do colégio, sempre o último a acabar a refeição. Ah. (suspiro sonhador). A solidão de um refeitório deserto, o olhar malévolo de uma educadora de infância meio sádica que se satisfaz quando, de tanta intimidação, comes cerejas à pressa com caroços e tudo.
E não sei se faço bem em estar a fazer isto. Afinal, todos me construíram para me deitar abaixo e para me construir outra vez. Mas estou contente, está a ser um bom Verão. Vejo montes de pombos a acasalar. Acordo com as gaivotas a remexer no lixo. O mar é tão bonito que não preciso de mais provas de que há Deus. E não pertenço a ninguém - não pertenço a ninguém. Ando a amar anjos, tanto, tanto. Vou estar a amá-los até morrer. E sabe tão bem.
E eu não podia resistir, ou podia? Meter os dedos sorrateiros, manchados de chocolate, exactamente onde não sou chamado. Arriscando-me a ficar sem dedos nenhuns, tudo por causa de mais chocolate.
Estou para aqui à espera daquele meu amigo que vive numa aldeia às portas de Lisboa. Coitado, ele anda tão ocupado, e eu pergunto-me se alguma vez o voltarei a ver. Estou também à espera que o Miguel me venha salvar, ele que anda sempre perdido mas que sabe muito mais do que todos nós.
Uma noite destas vai ser talvez a noite em que tudo acontece. Ontem, por exemplo, estava na cozinha a comer bolachas de chocolate à uma e meia de manhã (acho que o Miguel aceitou a minha proposta!) e estava tanto frio que o ar saía em vapor da minha boca e camadas de gelo formavam-se no interior das janelas, e eu estava a ver uma rapariga em biquini a banhar-se e a dar berros no mar revoltoso gelado, diante de amigas que riam. Acho que fiquei demasiado tempo a olhar para ela, ia-me engasgando com todo aquele chocolate, e tinha andado a matar moscas outra vez no quarto - lá estavam mais algumas manchitas de sangue no tecto a testemunhar um certo instinto assassino que ainda persiste em mim (ainda que muito fraco). Noutro dia, enquanto perseguia uma mosca junto à janela, tentando enxotá-la para fora com umas cuecas usadas, vi-a a cagar-se de medo. Verídico. Aposto que nunca viram uma mosca a cagar-se! Ora, eu já, e o cócózito que deixou fez-me ter pena dela. Limpei-o com um lenço de papel.
E de resto nestas noites durmo bem mas devo estar à espera de alguma coisa - só pode. E habituei-me a comer sozinho, olhando o mar, tiritando de frio na cozinha cheia de confettis. Penso nas palavras dos meus amigos, penso noutras coisas, sorrio, encolho os ombros, afasto os confettis do prato, alguns misturam-se mesmo com a comida – enfim demoro muito a comer, aquilo fica tudo frio e o sabor nunca é nada de especial e eu lembro-me de quando era o “pastelão” do colégio, sempre o último a acabar a refeição. Ah. (suspiro sonhador). A solidão de um refeitório deserto, o olhar malévolo de uma educadora de infância meio sádica que se satisfaz quando, de tanta intimidação, comes cerejas à pressa com caroços e tudo.
E não sei se faço bem em estar a fazer isto. Afinal, todos me construíram para me deitar abaixo e para me construir outra vez. Mas estou contente, está a ser um bom Verão. Vejo montes de pombos a acasalar. Acordo com as gaivotas a remexer no lixo. O mar é tão bonito que não preciso de mais provas de que há Deus. E não pertenço a ninguém - não pertenço a ninguém. Ando a amar anjos, tanto, tanto. Vou estar a amá-los até morrer. E sabe tão bem.
<< Home