Companheira
Às vezes penso que deves ser a pessoa mais bondosa do mundo por fazeres estas coisas, porque eu sei que tu pensas que estas coisas que fazes são o melhor para mim - ainda que eu o não admita, ainda que eu pense que estás apenas a ser má. E nesses momentos em que a tua suposta bondade me atinge e me maravilha, eu lembro-me das tuas provações e do sofrimento que eu penso que deves sentir, um sofrimento agudizado pelo facto de teres de o calar - pelo bem de nós dois. Eu sei.
Eu estava a morrer naquela cama em Paris, eu sentia que a minha alma me estava a abandonar, sentia-me despossuído - e tu sabias isso, e quanto eu te disse que tu tinhas sempre razão tu fizeste uma longa pausa e depois disseste-me apenas que nem sempre, nem sempre tinhas razão. E eu sei que estavas de olhos abertos no silêncio, no escuro, de costas para mim, e sei que estavas apenas a dizer a verdade. Provavelmente sentias que essa era a única coisa que podias dizer. E não era por não saberes mais nada, não era por seres estúpida, era porque estavas cuidadosamente a medir as palavras, pensando em mim e na minha dor, pensando no melhor para mim, pensando também em ti, claro, porque querias recomeçar a tua vida - e, aliás, a tua nova vida estava mesmo diante dos meus olhos, e eu tinha de pensar bem onde colocar os meus pés quando caminhava no teu quarto.
Outras vezes, eu penso que deves ser apenas má ou insensível e então eu odeio-te. Penso no legado que deixaste: um rapaz magro, entregue à Natureza, um rapaz cujas primeiras experiências foram isto, um rapaz que deixaste sem certezas, sem termos de comparação, sem maneira de saber se há algo mais do que isto. Um rapaz sem maneira de saber se carrega em si algo de errado. Um rapaz a quem não deste respostas, ou pelo menos respostas que ele pudesse compreender.
Afinal, não te posso culpar de nada, mesmo no meio destas recriminações. À luz do que tenho vindo a pensar, não há culpados. Somos todos alegres elefantes, desastrados, partindo cristais, partindo-nos uns aos outros, umas vezes bem intencionados, outras vezes apenas maus como as crianças são más - apenas porque não sabemos melhor do que isto.
Sim, elefantes, cinzentos e de pele dura como os elefantes. Se nos doesse tanto como devia doer, estaríamos mortos já. E, segundo aquele velho provérbio swahili, 'Quer os elefantes lutem ou façam amor, é sempre a erva que sofre'.
Mas porque se rompeu a minha armadura? Quando foi isto? É normal que tudo o que supostamente me deveria proteger me surja tão frágil, tão precário? Algum dia poderei despir por completo esta inútil armadura, esta pele de elefante, para me revelar a olhos amigos, e entre braços amigos adormecer nu, livre de todo este peso, de todos estes cuidados?
Eu estava a morrer naquela cama em Paris, eu sentia que a minha alma me estava a abandonar, sentia-me despossuído - e tu sabias isso, e quanto eu te disse que tu tinhas sempre razão tu fizeste uma longa pausa e depois disseste-me apenas que nem sempre, nem sempre tinhas razão. E eu sei que estavas de olhos abertos no silêncio, no escuro, de costas para mim, e sei que estavas apenas a dizer a verdade. Provavelmente sentias que essa era a única coisa que podias dizer. E não era por não saberes mais nada, não era por seres estúpida, era porque estavas cuidadosamente a medir as palavras, pensando em mim e na minha dor, pensando no melhor para mim, pensando também em ti, claro, porque querias recomeçar a tua vida - e, aliás, a tua nova vida estava mesmo diante dos meus olhos, e eu tinha de pensar bem onde colocar os meus pés quando caminhava no teu quarto.
Outras vezes, eu penso que deves ser apenas má ou insensível e então eu odeio-te. Penso no legado que deixaste: um rapaz magro, entregue à Natureza, um rapaz cujas primeiras experiências foram isto, um rapaz que deixaste sem certezas, sem termos de comparação, sem maneira de saber se há algo mais do que isto. Um rapaz sem maneira de saber se carrega em si algo de errado. Um rapaz a quem não deste respostas, ou pelo menos respostas que ele pudesse compreender.
Afinal, não te posso culpar de nada, mesmo no meio destas recriminações. À luz do que tenho vindo a pensar, não há culpados. Somos todos alegres elefantes, desastrados, partindo cristais, partindo-nos uns aos outros, umas vezes bem intencionados, outras vezes apenas maus como as crianças são más - apenas porque não sabemos melhor do que isto.
Sim, elefantes, cinzentos e de pele dura como os elefantes. Se nos doesse tanto como devia doer, estaríamos mortos já. E, segundo aquele velho provérbio swahili, 'Quer os elefantes lutem ou façam amor, é sempre a erva que sofre'.
Mas porque se rompeu a minha armadura? Quando foi isto? É normal que tudo o que supostamente me deveria proteger me surja tão frágil, tão precário? Algum dia poderei despir por completo esta inútil armadura, esta pele de elefante, para me revelar a olhos amigos, e entre braços amigos adormecer nu, livre de todo este peso, de todos estes cuidados?
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