Hoje
Estou quase para ir lá fora, hoje, ao anoitecer, quando o sol estende uma passadeira dourada desde o sítio onde me encontro até ao fim do mar, quando de repente começa a chover levemente e, mesmo junto à minha janela, uma banda filarmónica toca 'A Whiter Shade of Pale'. Estive quase a ir lá para fora, dizia, e talvez atravessar na praia a pequena barreira de algas, povoadas por milhares de moscas-da-areia, e ficar a um metro das ondas cinzentas, sentado, agarrado aos meus joelhos, a ouvir Housemartins.
Em vez disso, depois de acabar o meu jantar solitário na cozinha semi-escura, deixei-me ficar, encostado ao frigorífico, e a pensar se havia de lavar a loiça ou ir visitar a minha vizinha das macumbas. Acabei por fazer as duas coisas - mas antes, ainda sentado, o sol prestes a desistir de mim e de nós, lembrei-me subitamente de um poema, e em trinta segundos acabei por compô-lo totalmente - coisa que costumava ser normal em mim e que já não fazia há muito tempo.
Que pretensioso, dizer que se escreve poesia. Os meus poemas nunca me deram trabalho nenhum - por isso eu não sou um poeta: porque não me dói. Só se é mãe se se tem um parto. Os poemas, ao contrário, passam por mim, vêm de outros sítios, juntam-se ocasionalmente e entrelaçam-se na minha mente e depois eu escrevo-os - e chamo-os meus, e digo que sou o autor. Mas os poemas são as palavras que eu ouvi a todas as pessoas por quem passei, os poemas são mais do vento, e mais dessas pessoas, do que propriamente da minha mão.
Ainda assim, aqui está. Já há muito que não escrevia, dizia, mas alguns versos deste poema andavam a pairar na minha mente há muito tempo, como passarinhos que não encontram o seu parceiro. Talvez daqui para a frente possa recomeçar a escrever o que, um pouco ingenuamente, chamo poesia.
Este irá juntar-se aos vinte e tal que já escrevi para o meu sexto(!) "livro"(!) de poesia. Para os que se interessam, vai chamar-se "A Minha Vida Amorosa, pt.2" - tem estado parado ultimamente. Não sei porquê, não me tem surgido aquele impulso súbito e momentâneo de escrever poemas - aquela espécie de leveza da alma. Tenho a certeza que alguns de vocês perceberão. Dei recentemente uma vista de olhos ao que já está escrito e, até agora, não me parece que este Vida Amorosa pt.2 tenha muita qualidade: a maior parte dos poemas é sobre mães adolescentes; há uns quantos sobre japonesas em bibliotecas; há um sobre o Michael Corleone e outro sobre as Bangles; umas quantas aberrações escritas em Paris; um projecto de letra para os Mão Morta (como é natural, esta versa sobre mães adolescentes e raparigas que perdem a virgindade demasiado cedo). Alguns esclarecimentos: 1) nunca houve "A Minha Vida Amorosa, pt. 1"; 2) estes "livros" vão para a gaveta e, uma vez terminados, nunca mais ninguém os volta a ler, nem eu; 3) reafirmo que não percebo nada de poesia.
Bem, aqui vai o poema. E boa noite.
Eu estava enganado.
Eu cheguei até ti com estas mãos a cheirar a maçãs,
E eu estava enganado. Eu não posso
ser a rainha, a filha pródiga regressando a casa depois da guerra,
de volta a todos os rapazes que a amam e deixam de amar.
E não posso, "Não podes chegar aqui depois deste tempo todo
e querer que tudo continue na mesma".
Mas não há problema, não há mesmo nada de mal:
eu estava apenas enganado.
E ninguém está prestes a gritar.
Em vez disso, depois de acabar o meu jantar solitário na cozinha semi-escura, deixei-me ficar, encostado ao frigorífico, e a pensar se havia de lavar a loiça ou ir visitar a minha vizinha das macumbas. Acabei por fazer as duas coisas - mas antes, ainda sentado, o sol prestes a desistir de mim e de nós, lembrei-me subitamente de um poema, e em trinta segundos acabei por compô-lo totalmente - coisa que costumava ser normal em mim e que já não fazia há muito tempo.
Que pretensioso, dizer que se escreve poesia. Os meus poemas nunca me deram trabalho nenhum - por isso eu não sou um poeta: porque não me dói. Só se é mãe se se tem um parto. Os poemas, ao contrário, passam por mim, vêm de outros sítios, juntam-se ocasionalmente e entrelaçam-se na minha mente e depois eu escrevo-os - e chamo-os meus, e digo que sou o autor. Mas os poemas são as palavras que eu ouvi a todas as pessoas por quem passei, os poemas são mais do vento, e mais dessas pessoas, do que propriamente da minha mão.
Ainda assim, aqui está. Já há muito que não escrevia, dizia, mas alguns versos deste poema andavam a pairar na minha mente há muito tempo, como passarinhos que não encontram o seu parceiro. Talvez daqui para a frente possa recomeçar a escrever o que, um pouco ingenuamente, chamo poesia.
Este irá juntar-se aos vinte e tal que já escrevi para o meu sexto(!) "livro"(!) de poesia. Para os que se interessam, vai chamar-se "A Minha Vida Amorosa, pt.2" - tem estado parado ultimamente. Não sei porquê, não me tem surgido aquele impulso súbito e momentâneo de escrever poemas - aquela espécie de leveza da alma. Tenho a certeza que alguns de vocês perceberão. Dei recentemente uma vista de olhos ao que já está escrito e, até agora, não me parece que este Vida Amorosa pt.2 tenha muita qualidade: a maior parte dos poemas é sobre mães adolescentes; há uns quantos sobre japonesas em bibliotecas; há um sobre o Michael Corleone e outro sobre as Bangles; umas quantas aberrações escritas em Paris; um projecto de letra para os Mão Morta (como é natural, esta versa sobre mães adolescentes e raparigas que perdem a virgindade demasiado cedo). Alguns esclarecimentos: 1) nunca houve "A Minha Vida Amorosa, pt. 1"; 2) estes "livros" vão para a gaveta e, uma vez terminados, nunca mais ninguém os volta a ler, nem eu; 3) reafirmo que não percebo nada de poesia.
Bem, aqui vai o poema. E boa noite.
Eu estava enganado.
Eu cheguei até ti com estas mãos a cheirar a maçãs,
E eu estava enganado. Eu não posso
ser a rainha, a filha pródiga regressando a casa depois da guerra,
de volta a todos os rapazes que a amam e deixam de amar.
E não posso, "Não podes chegar aqui depois deste tempo todo
e querer que tudo continue na mesma".
Mas não há problema, não há mesmo nada de mal:
eu estava apenas enganado.
E ninguém está prestes a gritar.
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