sábado, julho 17, 2004

Madrugada (3/3)

Quando acordo está uma mulher velha, nua, de cabelos muito longos, num dos cantos do meu quarto. Ela balança ininterruptamente o seu corpo deformado como se estivesse a embalar uma criança que não lhe pertence - uma criança que cresceu e se foi embora.
Passam-se vários minutos de silêncio, durante os quais eu evito olhar para os buracos sangrentos na sua cara, os sítios onde um dia foram os seus olhos.
Depois ela fala.
'O que essa rapariga te fez...', diz ela, '...não é assim tão mau'.
E eu estou a agarrar a minha cabeça e a chorar baixinho, porque a voz dela é demasiado horrível:
'Sabes? Há muita coisa a passar-se enquanto dormes'.
 


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