sexta-feira, julho 09, 2004

Rio das Pérolas (V)

O Milhafre regressa dos Apalaches. Três raparigas passam em frente à porta do hotel e alguém do sexo masculino faz um comentário – uma ri-se, a outra não, a outra não ouviu. No quarto ao lado do meu ela está a tomar um duche nocturno e talvez a pensar em mim. No prédio em frente pelo menos duas mulheres pensam em como seria “giro” se de repente os testículos dos seus maridos caíssem na sanita. Alguém no andar de baixo tenta lamber o seu cotovelo esquerdo, e ao seu lado uma mulher com uma máscara de látex muda de canal cada três segundos. O Milhafre prepara cuidadosamente a cama para dormir. Um empregado do hotel pensa distraidamente se alguém notaria se ele urinasse na sopa de amanhã. Uma empregada de hotel pensa distraidamente se alguém notaria se ela amanhã não aparecesse para trabalhar, e quanto tempo tardariam a encontrar o seu corpo sangrado na banheira. Pelo menos dez pares de namorados, em quartos separados, fazem cócegas uns aos outros e riem-se muito e depois param, ficando silenciosos. A equipa de futebol de alguém ganha, a equipa de futebol de alguém perde. Alguém vasculha febrilmente sacos de compras, soluçando, dizendo asneiras em chinês. Alguém fura preservativos com um alfinete. No meu quarto, o Milhafre empijamado ronca. Eu estou a desfazer febrilmente um saco de chá, numa mesa sobre tudo isto, as luzes da cidade e aquelas casas e pessoas todas constituindo muito mais do que alguma vez poderei compreender. Considero por momentos masturbar-me, reconsidero, olho para o quarto, fecho os olhos. Cruzo os braços, arrepiado, e suspiro. Não vou dormir, mas também não vou fazer mais nada.


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