sábado, julho 31, 2004

My Last Dream

Sonho que estou a ser devorado, nu, inteiro, vivo, por um dragão do Komodo. Eu devo ter mergulhado de cabeça na boca dele porque os seus dentes estão em redor da minha cintura, a boca esticando-se de uma forma impossível, e porque tudo é tão apertado dentro do seu tubo digestivo eu não posso ver nada. Sinto apenas o fedor asfixiante, os sons obscenos que as contracções dos seus órgãos produzem, as mucosas de encontro ao meu corpo - colando-se a mim, chupando, apertando e sufocando-me num abraço pastoso. Elas segregam líquidos ácidos que me vão queimando a pele; depois, as bactérias começam o seu trabalho, e entram pela minha circulação sanguínea. Eu estou a ser lentamente digerido e não estou a aceitar, mas também não estou a resistir.

O dragão do Komodo está a sentir dificuldades em engolir-me. As minhas pernas continuam de fora e os seus olhos estão vazios, ausentes. O dragão do Komodo não pensa em nada, apenas contrai os músculos do pescoço, empurrando-me milímetro a milímetro para dentro dos seus canais. As suas garras agarram o chão poeirento, a sua cauda dá sacões ocasionais. Os ácidos queimaram os meus cabelos, sobrancelhas, pestanas, atacam agora o meu escalpe, tornam lentamente a minha cara numa máscara líquida, monstruosa, irreconhecível.

Eu sei que as minhas células estão a ser processadas e estão a entrar na corrente sanguínea do dragão do Komodo. Ele está a alimentar-se de mim. Minuto a minuto, ele está a incorporar-me.

Horas depois ainda lá estamos, no mesmo lugar. Os meus joelhos estão apenas agora a sentir a textura dos dentes de tubarão do dragão do Komodo. Eu estou a pensar nas seguintes coisas, sem nenhuma ordem em particular: a minha tese; a rapariga que trabalha na caixa do supermercado onde costumo fazer compras; a versão que a Ani Di Franco fez do 'Used Cars' do Bruce Springsteen; uma salada que um dia fiz para os meus amigos; o amor que senti, o amor que não partilhei; uma salada que tinha na cabeça mas que nunca cheguei a fazer.

A minha dor é lenta, difusa, leve. A partir da sexta hora no tubo digestivo do dragão do Komodo eu já deixei de chorar, estou a apoiar o que resta da minha cabeça nas suas paredes pegajosas - como se descansasse. Os meus ombros estão praticamente dissolvidos e perdi a sensibilidade dos braços. Sinto que a minha coluna está partida em demasiados sítios. Ninguém poderia, neste momento, distinguir os meus olhos, boca e muito menos nariz da confusa massa esbranquiçada em que a minha cara se tornou.

Depois, não me perguntem como, eu oiço a voz do dragão do Komodo. Eu sei que a noite caiu e que o dragão se abateu sobre a barriga, as patas incapazes de suster o seu peso. Eu sei que o dragão está a olhar o mar da ilha de Rinca, e sei que o céu está louco de estrelas, e que milhares de criaturas dormem em buracos no chão. Sei que o dragão do Komodo está a olhar para um satélite que se move no espaço, e sei que dentro desse satélite alguém come bananas em pó. Eu sei isto tudo, e eu aceito isto tudo.

'Julgo que atingi o ponto de não-retorno', diz-me o dragão do Komodo. 'Serás a minha última presa - a minha última conquista'.

E vocês poderiam imaginar-me a sorrir dentro da barriga do dragão, com o buraco disforme onde antes era a minha boca.


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