Na ilha de Sifnos há reentrâncias de costa, pequenas enseadas rochosas onde o mar atinge grandes profundidades - a poucos metros dos sítios onde as casas, e as cabras, brancas, se encavalitam. Os mais audazes e os mais tranquilos mergulham directamente das rochas para a água escura.
Encontrámo-nos num autocarro que ia para Lisboa, e falámos durante quase três horas sem nunca nos olharmos nos olhos. Sentado à janela, eu via desfilar este país queimado e ouvia a voz dela, e falava pouco. Tínhamos tido um verão de amor criança, numa terra da qual não importa aqui falar.
Ela contou-me das oliveiras de Sifnos. E do azeite que era deles os dois, já que o terreno era deles e por conseguinte as oliveiras e por conseguinte as azeitonas, e os vermes da terra grega. A casa branca, de geometria adaptada às arestas das rochas, com dois pequenos terraços sobre o mar. Uma escadinha até lá abaixo, ondas pequeninas a lamber os pés. Ela contou-me das idas matinais ao mercado em Kamares, o caminho de terra em sandálias, o tecido de linho da sua saia, o saco de pano onde trazia, de volta a casa, pão escuro, pimentos, laranjas, peixe que poucas horas antes ainda vivia.
E os mergulhos do meio dia: o mar profundo, a descer de temperatura à medida que ela, sustendo a respiração, se aventura mais abaixo, em busca do leito. Um som que contrasta com o absoluto silêncio da superfície, como dedos a pressionar os tímpanos, como peixes libertando bolhas, como rochas estalando, barbatanas rápidas que surgem de súbito, vindas de longe, e para longe voltam.
Ela volta à superfície e os seus cabelos negros roçam os ombros, as costas, pingos fazendo trilhos ao longo do corpo, antes de se evaporarem ao sol que aquece.
Os ombros morenos dele sabem a sal na casa escura, na cama baixa, à hora da sesta. Beijam-se com lábios secos, de forma simples, e dormem em segurança. Ao anoitecer, depois de uma tarde de trabalho e tarefas, vêem o sol filtrado em copos de vinho. Algures alguém canta, uma bicicleta toca sinos ao longo de um caminho longínquo, o vento arrefece e um leve casaco de malha, as lanternas da costa, um barco ao longe, Poseidon que se espreguiça.
Devíamos ter-nos casado. Deviam ter-nos levado para o altar quando tínhamos quinze anos. Aprenderias a amar-me, porque é preciso aprender a amar-me. Estas coisas não acontecem naturalmente - pelo menos não comigo. Não devias ter desistido tão cedo. Onde apanhar o 78? Era nestas coisas que eu pensava, depois de, já em Lisboa, me ter despedido dela apressadamente.