sexta-feira, agosto 19, 2005

Os ombros de gigantes (Coupland)

"The second story, well, it's a bit more complex, and I've never told anyone before. It's about a young man - oh, get real - it's about me.
It's about me and something else I want desperately to have happen to me, more than just about anything.
This is what I want: I want to lie on the razory brain-shaped rocks of Baja. I want to lie on these rocks with no plants around me, traces of brine on my fingers and a chemical sun burning up in heaven. There will be no sound, perfect silence, just me and oxygen, not a thought in my mind, with pelicans diving into the ocean beside me for glimmering mercury bullets of fish.
Small cuts from the rocks will extract blood that will dry as quickly as it flows, and my brain will turn into a thin white cord stretched skyward up into the ozone layer and humming like a guitar string. And like Dag on the day of his death, I will hear wings, too, except the wings I hear will be from a pelican, flying in from the ocean - a great big dopey, happy-looking pelican that will land at my side and then, with smooth leathery feet, waddle over to my face, without fear and with an elegant flourish - showing the grace of a thousand wine stewards - offer before me the gift of a small silvery fish.
I would sacrifice anything to be given this offering."

(Douglas Coupland, Generation X)

Os ombros de gigantes (Salinger)

"I keep picturing all these little kids playing some game in this big field of rye and all. Thousands of little kids, and nobody's around - nobody big, I mean - except me. And I'm standing on the edge of some crazy cliff. What I have to do, I have to catch everybody if they start to go over the cliff - I mean if they're running and they don't look where they're going I have to come out from somewhere and catch them. That's all I'd do all day. I'd just be the catcher in the rye and all. I know it's crazy, but that's the only thing I'd really like to be. I know it's crazy."

(J.D. Salinger, The Catcher in The Rye)

sexta-feira, agosto 05, 2005

vento agosto, rio baixo (13/33)

Numa divisão vazia da minha casa, separada por paredes onde de manhã na cama eu tremo, está deitada esta... coisa. Numa divisão vazia pela manhã, respirando... esta coisa.

Durmo de manhã, quando as pessoas acabaram de começar, e enquanto durmo há uma projecção do meu corpo que vai até essa divisão vazia - escura, abafada, borbulhante - e lá está essa espécie de monstro deitado - os olhos espalhados pelo corpo líquido, verde, a ausência de ossos e as membranas que se levantam e espasmam. Eu fico à porta.

É um monstro diferente. Eu costumava acordar para as moscas, para as línguas frias dos lagartos na minha face. Eles costumavam acordar-me e falar com vozes graves, quase inaudíveis, ao ouvido - diziam-me coisas sem nexo, do tipo "ela ama-te", "ainda não viste nada", "a forma como seguras essa rosa entre os dentes".

Agora é diferente. Este é um monstro especialmente estranho. Aparece, de vez em quando, deitado numa das camas da minha casa, e não parece ter um propósito especial, sequer uma mensagem para transmitir. Fica a olhar para mim por entre os silvos da sua respiração - os olhos na pélvis, os olhos nos pés - e apenas o seu corpo parece reconhecer a minha presença, já que se agita com mais insistência. Como se estivesse a pedir a minha ajuda, essa coisa esse... corpo estrangeiro. A escorrer pelo chão, a sua pele uma crosta a rebentar lava.

Depois, com um sacão eu regresso à cama: há fumo na minha garganta, um cheiro que não é meu nos lençóis. E quase que consigo cheirar os lençóis.

Uma vez ou outra, um dia a mais ou a menos - eu vou ter de sair, isto vai arder, o ar vai tornar-se venenoso. Uma vez ou outra, e essa coisa vai subir para cima de mim, vai finalmente regressar ao que é seu, ao que ele é.


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