domingo, agosto 01, 2004

Sete maneiras de ir dormir (I)

Quando me vou deitar ela já está no chão do meu quarto, impossibilitada de ficar em pé, e horríveis sons saem de dentro do seu corpo. Tudo no organismo dela se está a romper: eu não vejo nenhuma ferida mas ela está a esvair-se com grande rapidez, sangue saindo em quantidades incríveis de todos os seus orifícios. O chão do meu quarto é o mapa de sangue dos sítios por onde ela se arrastou.
Eu ajoelho-me no chão e abraço-a e começo a chorar baixinho. Ela diz por favor faz com que isto pare por favor faz com que isto pare, e eu seguro-a com força e choro e digo-lhe desculpa, desculpa querida, e pedaços de carne começam a deslizar de dentro da vagina dela e a dor vem em ondas. E eu sei quando as ondas chegam, porque oiço os ruídos que os seus órgãos em auto-destruição produzem.
Pouco depois ela está incapaz de produzir palavras e eu continuo a segurá-la, ajoelhado no chão do quarto, no meio de um imenso caudal de sangue. Estou a fazer-lhe festas no cabelo e as minhas mãos estão manchadas e ela está a olhar-me e a tentar sorrir: os seus dentes violeta, a sua boca um buraco gorgolejante por onde ela tenta respirar.
Quando a última onda a atinge o mundo já se retirou de mim e continuo a abraçá-la. A sua mão, que batia espasmodicamente no chão, pára subitamente. E os helicópteros chegam e iluminam-nos com holofotes fortíssimos, e o vento faz com que os confettis se agitem em turbilhão à nossa volta, alguém diz ‘Corta!’, eu desisto de tudo, as Forças Especiais irrompem pelo quarto a gritar.


(inspirado em ‘Glamorama’, de Bret Easton Ellis)


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