Lisboa
Lisboa, palco dos meus amores, Lisboa: onde eu não perdi a virgindade, onde a natureza não fez de mim um homem - Lisboa, cenário das minhas exibições, fitas, crises amuos mentiras - Lisboa onde cresci na estranheza e na perversidade, onde acabei de ténis brancos e blaser. Lisboa, sítios gajas tantas raparigas loiras e mesmo as morenas têm a alma loira... - modelos e jovens actores de baixa estatura todas as noites no Bairro Alto, crianças de sexto ano com cigarros entre os dedos e roupas apertadas e mochilas cor de rosa com pensos e coisas - e uma imensa vontade de agradar, uma imensa carência de companhia. Lisboa, barulho de milhões de conversas inúteis sobre arte e cinema e o mundo - conversas sem substância e sem consequência, e revestidas de beleza por isso - milhões de palavras embriagadas e sussurradas com desejo e desespero - Lisboa das camas das tentativas teatralizadas e patéticas de suicídio das depressões das noites sem sono a estudar a foder - Lisboa e o apelo do atlântico no povo doirado do mar que vive ao longo da linha de comboio que vai até Cascais - Lisboa do Guincho e das escapadinhas nos hotéis do Guincho e das areias das praias cobertas de preservativos e seringas infectadas, um ou outro cadáver e mesmo alguém que ama e dorme e sonha com tanta força... Lisboa óculos de sol, cigarros fumados por jovens em jejum enfiados até à cintura numa maré que leva à vida adulta, e as peles, ano a ano, serão sazonalmente bronzeadas e as festas vão acontecer nem que sejam festas tristes entre três a quatro amigos que sabem que inevitavelmente se separam, e os bares e as tabaqueiras e os dealers e as putas vão ter sempre negócio e Lisboa vai descansar aos domingos nos cafés de bairro - e meias de lã para os bebés vão continuar a ser feitas por futuras mães.
Lisboa, ouve: "I'm too busy acting like I'm not naive", eu chego ao ponto de dar dinheiro às pessoas que me pedem!, aos jovens que todos os dias procuram partir de Sta. Apolónia para Idanha-a-Nova, aos estropiados aos chorosos aos esfomeados aos estupradores - eu olho para tudo e ainda hoje é como uma criança que eu entro no autocarro e que me dirijo às raparigas caixa de supermercado mais novas do que eu (que passam rapidamente as minhas mercearias no sensor óptico pensando no seu namorado de cabelo rapado como o meu!) - ouve, Lisboa, nas ante-estreias de comédias rasca eu tinha vergonha de estar no meio daquela gente toda, da tua gente, e quando a sessão acaba há átrios iluminados e pessoas brilhantes que se dirigem para os seus lofts - meu deus eu nunca entrei num loft! - e por isso não é supreendente que eu a todo o momento pense em formas de me vingar. Afinal, sou apenas mais um jovem aborrecido com a sua vida sexual e com um complexo de inferioridade - nada que tu não conheças já, Lisboa.
O meu esforço infrutífero para conhecer Lisboa, para abarcar e assimilar estes perfumes destas peles e a rouquidão destas vozes - e as vielas e os recantos e as casas onde as pessoas envelhecem sozinhas, e os quartos escuros com mobiliário de design e camas brancas praticamente ao nível do chão e lençóis desfeitos por corpos em luta - deus, não ter dormido em todas as pensões do Rossio, não ter enfrentado o vento e a chuva de Lisboa com a gola levantada de um sobretudo preto, não poder poisar naquelas varandas ou pairar diante das janelas como um pássaro, não ter beijado os lábios agridoces das oferecidas e das impossíveis - deus, não ter estado em Lisboa mas apenas verdadeiramente no meu quarto em Benfica, onde queimei os incensos da frustração e do desejo de amor.
Lisboa: pequenos gatos esventrados esfriando ao sol, raparigas chorando nos cantos da faculdade, alarmes que despoletam subitamente nas tardes cálidas, a Praça do Chile o local mais desolado para os que acabaram de perder o amor... os casamentos as noivas os patos na lama os imensos centros comerciais e as cabinas nas casas de banho dos centros comerciais onde as pessoas cagam em tristeza e onde por vezes cheiram coca - uma imensa bola de bowling em movimento ao longo da pista contra imensos pinos e aqueles sapatos de sola lisa e apesar da obscuridade que envolve tudo uma beleza que é quase blasfémia, alguém que festeja sorrindo para o céu.
Lisboa, ouve: "I'm too busy acting like I'm not naive", eu chego ao ponto de dar dinheiro às pessoas que me pedem!, aos jovens que todos os dias procuram partir de Sta. Apolónia para Idanha-a-Nova, aos estropiados aos chorosos aos esfomeados aos estupradores - eu olho para tudo e ainda hoje é como uma criança que eu entro no autocarro e que me dirijo às raparigas caixa de supermercado mais novas do que eu (que passam rapidamente as minhas mercearias no sensor óptico pensando no seu namorado de cabelo rapado como o meu!) - ouve, Lisboa, nas ante-estreias de comédias rasca eu tinha vergonha de estar no meio daquela gente toda, da tua gente, e quando a sessão acaba há átrios iluminados e pessoas brilhantes que se dirigem para os seus lofts - meu deus eu nunca entrei num loft! - e por isso não é supreendente que eu a todo o momento pense em formas de me vingar. Afinal, sou apenas mais um jovem aborrecido com a sua vida sexual e com um complexo de inferioridade - nada que tu não conheças já, Lisboa.
O meu esforço infrutífero para conhecer Lisboa, para abarcar e assimilar estes perfumes destas peles e a rouquidão destas vozes - e as vielas e os recantos e as casas onde as pessoas envelhecem sozinhas, e os quartos escuros com mobiliário de design e camas brancas praticamente ao nível do chão e lençóis desfeitos por corpos em luta - deus, não ter dormido em todas as pensões do Rossio, não ter enfrentado o vento e a chuva de Lisboa com a gola levantada de um sobretudo preto, não poder poisar naquelas varandas ou pairar diante das janelas como um pássaro, não ter beijado os lábios agridoces das oferecidas e das impossíveis - deus, não ter estado em Lisboa mas apenas verdadeiramente no meu quarto em Benfica, onde queimei os incensos da frustração e do desejo de amor.
Lisboa: pequenos gatos esventrados esfriando ao sol, raparigas chorando nos cantos da faculdade, alarmes que despoletam subitamente nas tardes cálidas, a Praça do Chile o local mais desolado para os que acabaram de perder o amor... os casamentos as noivas os patos na lama os imensos centros comerciais e as cabinas nas casas de banho dos centros comerciais onde as pessoas cagam em tristeza e onde por vezes cheiram coca - uma imensa bola de bowling em movimento ao longo da pista contra imensos pinos e aqueles sapatos de sola lisa e apesar da obscuridade que envolve tudo uma beleza que é quase blasfémia, alguém que festeja sorrindo para o céu.